domingo, 10 de outubro de 2010

Maria Rita

(Em homenagem ao Dia das Crianças. Começando pelo que é começo)

Maria Rita era muito sapeca. Gostava de olhar os meninos tomarem banho pelo olho da fechadura. Menina! O que era aquilo que lhe faltava? E faltava porquê? E se olhava no espelho desapontada. Maria Rita facilmente se irritava. Raspava a sobrancelha porque não gostava de pêlos e rezava pra não aparecerem nunca mais. E saía pra jogar bola, com os cabelos curtos, crescendo da última raspagem. Os meninos gritavam: joga a bola, Maria Rita! E Maria se sorria, se tremia, envaidecia. Grande jogadora, todo bairro já sabia. À noite Maria Rita arranhava um violão. Enchia de gente na sua calçada. Meninada cansada, suada e feliz. As roupas cheirando a jogo, a riso e juventude. Maria Rita tocava olhando a revista musical. Aprendeu com elas, e com o radinho de pilha do avô, quando não tava no futebol.
Gostava também de patins, bola de gude e pipa. E, vez ou outra, um videogame na casa do Digão. Eram da mesma escola. O uniforme igual. Da aula e do jogo. Tinham o mesmo relógio, a mesma hora  e o mesmo tempo. Um procurava, o outro escondia. Ele contava e ela corria. Formavam uma dupla e tanto!
Num sábado de jogo Maria Rita foi aplaudida. Artilheira! Entre meninos, a única menina. Uniforme como os outros. Xingamentos à altura. E os meninos a olhavam, cheios de admiração. Maria Rita, suada, tomou banho no vestiário. E nua, surpresa e crescida, viu embaixo do braço um pêlo adolescente. Com vergonha então, procurou uma testemunha, e viu, quase contente, no buraco da fechadura, o olhar doce do Digão

Um comentário:

  1. Esse texto bonito tá com cara de redação de escola...

    Muito interessante.

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